Eterno Retorno em Nietzsche: Sobre tornar-se leve

por Junior Bonfá


"E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: 'Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes'. (...) Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?”, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos!" – Nietzsche, A Gaia Ciência, §341
Nietzsche faz filosofia a golpes de martelo, e dialogar com ele traz o risco da destruição. Ruminar noções tão fortes como Eterno Retorno e Amor-fati faz tremer o solo frágil que sustenta toda a moral. Mas há aqueles que assim desejam; destruir os ídolos, as crenças estabelecidas, os acordos arraigados no meio social, e transvalorar os valores para afirmar a vida com a força ativa da própria criação. Por outro lado, a grande maioria de nós encontra recinto no conforto de conservar a vida como ela está.

A vida como ela está... Se vista pela ótica do Eterno Retorno, a vida como ela está, inclusive a que satisfaz enquanto acontecimento, poder-se-ia parecer dramática ao ponto de te esmagar. Perceberias que não há como eternamente assim viver. Perceberias, portanto, que a vida pode e deve ser mais potente, e assim arranjarias maneiras de fazê-la.


De Alexandra Levasseur

Algumas duras questões poder-se-iam ecoar em tua mente elucidando a tragédia: "Tentaste, porventura, tomar as rédeas da vida? Ao menos ousaste, acaso, ser artesão de si mesmo? Ou deixastes a mercê das causas exteriores?...".

Pode ser que à estas provocações consintas calar. Mas colocas-te a ponderar, na desmedida solidão atroz, onde o solo da moral vacila, onde os fluxos do desejo oscilam, e te perguntas com veemência: "Quão pesado esta sendo assim existir, e porque?". Para ajuizar que, tão somente assim dar-te-ias luz às forças que dançam em constante tencionamento no teu corpo, e permitirias, durante e depois de cartografar as multidões que habitam-te a bailar, escolher a música que traz harmonia à vazão dos desejos em linhas de fuga. Trata-se, antes de qualquer anseio, do cuidado de si - de travar um desafio ético-político com a própria existência.
"A vida tornou-se-me leve, a mais leve, quando exigiu de mim o mais pesado” – Nietzsche, Ecce homo
O que Nietzsche mostra, ao contrário do que se afirma por aqueles que não o compreendem, é precisamente o apelo a afirmação da vida. A necessidade de amar incessantemente a vida, e de produzi-la - na medida em que te cabe participar do processo - até contentar-te a eternidade. 

Perceberás que o que há de mais belo no existir, na imensidão de cada instante, é a capacidade de deixar fluir as diferenças que trazem maior beleza à vida. O grande desafio é: para que possas fazer da vida uma obra de arte, precisas antes destruir tudo aquilo que a torna uma cópia qualquer.